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Os Arquitetos e as Eleições
—Artigo, setembro
Recentemente, o Instituto dos Arquitetos do Brasil, Departamento de São Paulo, promoveu uma série de debates sobre o tema título deste artigo. Reunimos arquitetos participantes da administração pública seja em cargos do executivo, do legislativo ou ainda atuantes como quadros técnicos.
A preocupação que motivou a convocação desse debate foi a constatação da ausência quase total de temas relativos ao urbanismo nas propagandas eleitorais e ao uso de edifícios reais, virtuais ou fictícios como “prova” de capacitação para o exercício de mandatos.
Os arquitetos têm, por força de sua formação, exercido nas mais de oito décadas de existência de nossa entidade, lutado para a qualificação do planejamento e da gestão de nossas cidades. Foi, em grande parte a partir de propostas resultantes de congressos de nossa categoria que se viabilizou a criação das Regiões Metropolitanas e a aprovação do Estatuto das Cidades.
Lamentavelmente, nossos políticos parecem desconhecer o potencial de nossas cidades. Tanto os candidatos às prefeituras quanto os que desejam participar das Câmaras de Vereadores, parecem pretender atuar simplesmente de forma voluntarista, messiânica, superficial, de extrema ignorância quanto a contribuição dos arquitetos urbanistas e ao que já se fez de avançado e positivo para a melhoria de condições de vida, nas últimas décadas, em algumas cidades brasileiras e do exterior.
Enquanto boa parte do debate político brasileiro desenvolve-se em torno da reforma agrária, a questão das cidades e sobretudo da gestão de cidades inseridas em Regiões Metropolitanas – que abrigam a maior parte da população brasileira – fica à margem. Conceitos ultrapassados são adotados por administradores desavisados, uma política onde tudo deve ser resolvido no âmbito do município e a disseminação do falso conceito de que as cidades não têm mais “conserto”. Essas idéias, talvez representativas de uma mentalidade vinculada a uma predominância do rural sobre o urbano, característica do Brasil do século XIX, ainda continuam sendo difundidos como algo a ser atingido no século XXI. A elite econômica, por sua vez, contribui para a desestruturação das cidades com a crença de que obtém segurança em condomínios isolados, afastados do centro das cidades, formando verdadeiros guetos sociais desvinculados da vida urbana,
A implementação de uma base econômica para um Brasil desenvolvido pressupõe a estruturação de relações de colaboração entre os municípios brasileiros, como já ocorre nas regiões onde há crescimento econômico significativo. Nas Regiões Metropolitanas e nas demais áreas conurbadas, é fundamental uma ação governamental que reveja as instituições de administração de problemas comuns a municípios vizinhos e estimule a interdependência de suas economias e a solução de problemas comuns. Não se trata de instituir uma nova esfera de governo, mas implementar uma prática ainda pouco usual entre nós a do planejamento colaborativo, da negociação, da formulação de metas comuns e da utilização de meios compartilhados. Simplesmente, aplicar o dia a dia da União Européia na nossa vida urbana.
Em escala mais local, a execução de planos de bairros, de desenho urbano, de reurbanizações de bairros degradados é algo que ocorre em qualquer cidade desenvolvida no mundo contemporâneo, da China aos Estados Unidos, da União Européia a países com menores condições econômicas que o nosso. Não podemos compactuar em tornar cada vez mais medíocres nossas cidades, para não mencionar a desvalorização da terceira metrópole mundial: São Paulo.
Para tanto, ações devem ser discutidas e implementadas imediatamente ao assumirem os novos mandatos, adotando programas com vistas, não a produzir efeitos pirotécnicos e eleitoreiros, mas visando ações sistemáticas que ultrapassam, com continuidade, o período de uma gestão.
Com relação às edificações promovidas pelo poder público, com raras exceções, o que se vê é a contratação de trabalhos profissionais pelo menor preço, desconhecendo qualquer procura pela qualidade e durabilidade do que se vai construir. A des- economia que tal atitude dos governantes provoca, jamais lhes é cobrada. Ao contrario, elogia-se um pseudopragmatismo que consolida as nossas cidades como grandes acampamentos e que proporciona sucessivas as obras de manutenção e reconstrução tão procuradas por empreiteiros inescrupulosos.
É fácil perceber não ter sentido (e muitas vezes ser impossível) a elaboração de planos diretores, sistemas de transporte, de tratamento de resíduos ou de saneamento de forma isolada, município a município. Dominamos o conhecimento necessário para ultrapassar esses obstáculos e já produzimos, no passado, muito conhecimento. Nossas universidades continuam a desenvolver pesquisas, ainda que com muita dificuldade e os profissionais tanto do setor público quanto os da prática privada continuam aperfeiçoando-se. Mas para que esse conhecimento seja socializado, é imprescindível serem retomados estudos e projetos engavetados há décadas, bem como elaborados novos planos e projetos.
Nas mesmas últimas décadas, coincidentemente, foram aviltadas, desmanteladas e esvaziadas diversas estruturas técnicas estaduais e as de muitas administrações municipais, voltadas para a gestão do espaço territorial, dos sistemas de infra-estrutura física, do ambiente construído, do ambiente natural e do patrimônio histórico e cultural. Ao mesmo tempo, e não por coincidência, foram desmobilizadas, por absoluta falta de trabalho, centenas de equipes técnicas organizadas em empresas de consultoria e em escritórios técnicos. Muitos desses técnicos ainda estão vivendo de algumas migalhas de projetos, aguardando o chamado da sociedade para construir a base física do desenvolvimento que todos almejamos.
Diagnósticos adequados, planos consistentes, projetos tecnicamente corretos, ações pertinentes, independem do jogo medíocre de vaidades eleitorais. Arquitetura e urbanismo são parte inalienável da gestão das cidades.Os arquitetos urbanistas querem participar. Nossas cidades não podem mais esperar.
Paulo Sophia - Lucio Gomes Machado
setembro / 2003