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O ESPAÇO DA EDUCAÇÃO

—ABC Educatio • ano 2 • numero 9 • junho de 2001


Em tempos em que as transformações na Educação são discutidas sobre muitos enfoques, há pelo menos um aspecto que nem sempre é lembrado: a arquitetura escolar. Sim, pois foi-se o tempo em que urna escola poderia ser, simplesmente, urna casa adaptada. Os novos recursos pedagógicos, bem como a noção de urna qualidade mínima para o espaço onde se desenrola o ensino, exigem cada vez mais a visão de um especialista na organização espacial: o arquiteto.
 
Por isso, nessa edição, a revista ABC Educatio entrevistou um dos profissionais brasileiros mais experientes no tema, o arquiteto Paulo Sophia. Com mais de 50 projetos arquitetônicos na área escolar, em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Manaus, entre outros lugares, há 15 anos Sophia é um nome referencial na área. Há alguns anos, ele recebeu um prêmio na III Bienal Internacional de Arquitetura, em São Paulo, na categoria de edifícios escolares, por seu projeto da Escola Móbile. Anteriormente, já havia sido premiado na mesma categoria pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil. Recentemente, ele concedeu para a ABC Educatio a seguinte entrevista:

 

ABC Educatio - Educação é uma área de sua especialidade por afinidade ou por acaso?
 
Paulo Sophia - Todo arquiteto sonha com a liberdade de criação. A área da Educação, sem dúvida, está entre aquelas em que os clientes esperam e exigem do arquiteto criatividade no atendimento diferenciado de seu público, as crianças e seus pais. O fato de ser um campo do conhecimento em grande transformação também dá muitos estímulos para a imaginação de um arquiteto. Afinal, projetar escolas também é pensar sobre Educação. Por tudo isso, em um mercado de extrema competição para todos, a persistência no trato de um tema bonito como esse "projetar escolas" suplanta o acaso ou a sorte!
 
ABC Educatio - Você considera que as es­colas estão se preocupando mais com a questão da arquitetura escolar: ou ainda são poucas instituições preocupadas com o assunto?
 
Paulo Sophia - As escolas, quer na iniciativa privada ou pública, sempre tiveram a preocupação de conceber e constantemente re­visar os programas pedagógicos (desde a instauração da República). Entretanto os conceitos empregados ao longo do tempo foram resultando em espaços distintos. Hoje, além de refletir novas idéias educacionais, o espaço é também um elemento fundamental de avaliação na conquista de mercados e de público seja no projeto de um shopping center ou em uma escola, e por isso vejo uma grande preocupação dos diretores com esse tema. No Exterior isso também ocorre, pois principalmente nos países desenvolvidos, a escola e a educação são as primeiras preocupações nos programas de governo ou iniciativa privada. Sem dúvida, isto é um exemplo. A escola não pode fazer parte só do programa eleitoral dos partidos para ser esquecida logo após as eleições.
 
ABC Educatio - A intervenção arquitetônica pode ser feita com sucesso nas escolas. também em termos de retrofit? Ou seja, o mantenedor que tenha uma escola instala­da em um prédio inadequado pode pensar já em alternativas arquitetônicas que valorizem sua instituição e tragam benefícios para sua comunidade?
 
Paulo Sophia - Primeiro, precisamos esclarecer o que é retrofit. Em uma linguagem simples, é mais do que uma reforma, é a re­concepção de um espaço adequando-o para novos fins. Por exemplo, quando trans­formamos o prédio de uma fábrica em um shopping, ou neste caso, uma residência em uma escola. Respondendo à pergunta, sim, isto é possível. É possível pensar em peque­nas reformas, pequenas reciclagens. Como colocar novas tecnologias em uma estrutura velha, com uma rede elétrica insuficiente, etc.? Somos um país pobre e o estabeleci­mento de um programa de médio e longo prazo na renovação das escolas é funda­mental. Além do mais, independente de qualquer coisa, é preciso que o usuário tenha orgulho de seus espaços, seja a sua casa, cidade ou escola e a renovação deve ser constante. A renovação é necessária, não porque o edifício envelhece, mas porque as demandas e programas pedagógicos se renovam.
 
ABC Educatio - Onde arquitetura e pedagogia se encontram, ou seja, quais devem ser os pontos prioritários de um projeto para uma escola?
 
Paulo Sophia - São muitos os pontos a serem considerados em um projeto de uma escola. Entretanto considerando que o em­prego da boa técnica é questão fundamental e básica no trabalho do arquiteto, resta­nos a questão conceitual, a formulação de pontos e metas que (com uma carga simbólica) suscitem em seus usuários uma nova postura de vida. Assim sendo não existe propriamente uma fórmula. Pode ser estranho afirmar que espaços de qualidade estarão sempre aptos a atender abordagens pedagógicas distintas. Acredito também que a boa arquitetura transcende ideologias, governos, e fica somente gravada em nos­sos corações a saudade dos momentos agradáveis, um lugar, suas proporções, seus cheiros etc. Todos lembramos do recreio onde brincávamos, dos amigos da sala ao lado...
 
ABC Educatio - Mas e quanto as aspectos técnicos, como luminosidade, ventilação, que fatores devem ser considerados?
 
Paulo Sophia - Aspectos técnicos são de­mandas básicas do projeto, agora até por conta do direito do usuário. O código de defesa do consumidor. Estará cada vez mais presente também na Escola, por exemplo, no acesso a deficientes físicos (tema já bastante debatido). Este direito será cada vez mais um diferencial na competição do mercado na oferta da boa sala de aula. Podemos pensar em diversos itens técnicos muito importantes, por exemplo o campo acústico. Boa qualidade acústica é funda­mental para o aluno e para o professor. Da mesma forma, os aspectos de salubridade e facilidade de higienização dos espaços comuns.
 
ABC Educatio - Além do plano pedagógico, é importante pensar em outros aspectos. A seu ver, qual a importância de valorizar espaços de sociabilização, como pátios e quadras? Que retorno teve, do impacto causado junto às famílias, em seus projetos?
 
Paulo Sophia - A escola é um importante ponto de encontro e local de construção de sólidas relações sociais, que, como todos sabem, duram a vida toda. Quantos de nós não nos recordamos dos amiguinhos de infância ou rememoramos as aventuras conjuntas. Esses colegas de infância nos acompanharão pela vida construindo também o País. Temos tido a notícia de que as atividades em nossas escolas se estendem espontaneamente após o período letivo. Os alunos dizem: "é gostoso ficar por aqui !".
 
ABCEducatio -Há uma grande tendência de informatização das escolas. Como a arquitetura pode ajudar nesse sentido? O que um bom projeto pode oferecer em ter­mos de facilidades para o uso da tecnologia? Sei que isso já acontece no campo das empresas.
 
Paulo Sophia - A escola deverá ser tratada como um "edifício inteligente", ter­mo usado na arquitetura dos espaços comerciais e de escritório. O edifício da escola também deverá ser flexível para atender futuras modificações de layout. Temos que empregar o que há de mais eficiente quer nos equipamentos quer nos materiais, entretanto devemos considerar aspectos culturais e regionais específicos. Hoje, por exemplo, há uma solução de utilidade, que são as divisórias, na medida em que permitem montar e desmontar espaços em função das necessidades, como reuniões, salas ambiente. Nos últimos projetos que fiz para universidades, já prevemos estrutura adequada também para a realização de vídeo - conferências e transmissão de dados à distancia.
 
ABCEducatio - Gostaria que comentasse também sobre a crescente disponibilidade de novos materiais de construção e recursos disponíveis, que podem trazer ganhos para projetos de escolas. Que exemplos pode dar?
 
Paulo Sophia - Qualquer bom projeto de arquitetura passa pelo domínio das técnicas de construção. Um bom médico tem que conhecer os instrumentos cirúrgicos e seus remédios; um advogado, a lei. Estes são os meios de seu exercício profissional. Materiais novos possibilitam novas linguagens, novas formas, rapidez e economia. Os materiais são o corpo da arquitetura com os quais ó arquiteto envolve a alma e o espírito de uma época. Hoje, temos muitos recursos, como forros acústicos modulares, luminárias de alto desempenho, pisos que favorecem a salubridade. Mais do que nunca, a escolha dos materiais não é só questão de gosto, mas também de eficiência.